sábado, 11 de novembro de 2006
Um novo poeta por favor
Atendendo aos pedidos dos leitores, inclusive os quarentões, publico abaixo a premiada crônica "Um novo poeta por favor!", que escrevi no início de 2005 e que obteve uma grande repercussão aqui na web.
"Um novo poeta por favor!" - Anderson Julio
Sábado passado estive em Vicente de carvalho, bairro do subúrbio carioca onde dizem os especialistas, encontra-se o melhor bolinho de bacalhau do Rio de Janeiro.
Lá estava eu, naquela conhecida adega lusitana que por tradição concentra boêmios de todas as partes da cidade, e traz consigo um clima que une a malemolência do samba e os lamentos do fado.
Numa conversa pra lá de etílica com meu primo Ricardo Julio, me deparo com a conclusão aterradora sobre a ausência de grandes letristas e poetas para a nossa geração pré-quarentona, após as perdas de Renato Russo e Cazuza.
Ricardo inclui neste hall, o "paralâmico" Herbert Viana, como um outro mestre das letras musicadas de nosso tempo. Concordo com ele.
Para melhor exemplificar as características destes poetas oitentistas, propus imaginarmos uma viagem de trem em que, além de nós dois, estariam Herbert, Renato e o nosso exagerado.
Todos em vagões separados e puxados por uma locomotiva que soltaria a sua fumaça pelos ares caminho afora.
Imaginei que, após a partida, Herbert se acomodaria numa poltrona confortável junto à janela, e que de posse de caderno e lápis, anotaria suas observações sobre a paisagem.
Falaria dos alagados, tenderia à lua, e fotografaria com palavras toda as visualizações
e seus personagens, percebidos nos rápidos flashs de vida que corriam diante de seus olhos.
Um excelente retratista.
Ao mesmo tempo, Renato Russo estaria quieto e sozinho numa cabine particular,
e escreveria sobre os medos que sentia sobre o que encontraria na próxima estação.
De como gostaria que a próxima parada fosse marcada pela compreensão entre os homens,
e que o amor pudesse vencer os monstros e as angústias que assombravam as pessoas,
que não percebiam a grandiosidade de uma gota d'água ou de um grão de areia.
Ele, com certeza, pediria um mundo melhor , a começar por pais e filhos
mais compreensíveis e compreensivos.
Neste momento, percebo que a velocidade do trem aumenta, e Cazuza grita e gargalha já abraçado ao maquinista, lhe contando os absurdos da noite na última estação,
e falando dos personagens imaginários que surgiam
nas formas da fumaça liberada pela locomotiva,
e entre mais uma dose e outra, diria que o dia também morre, e é lindo,
como eram lindos os tais moinhos de vento.
Na adega, intermináveis segundos separam a história da viagem do comentário seguinte.
Eu e Ricardo estamos com os olhos marejados, e ante ao ultimo bolinho de bacalhau,
percebemos o quanto nossa geração ficou mutilada dessas linhas geniais.
Tenho o impulso contido de gritar ao garçom:
- Um vinho do Porto e um novo poeta por favor!
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Um comentário:
Gostei do que li.
Não me estranha que seu texto pudesse fazer "fama" na web.Foi tão preciso quanto precisamos dele.
pensei agora até assim:
Seu garçom, não faça nada.
Poeta, "por favor"?
isso seria um horror...
na marra UM FAVO!
a mágica mudou
agora serão:abelhudas palavras, com ou sem dor.
Quem sabe, melhor, sem mágoas,
algum mel e cheiro de lágrimas.
Pude link-á-lo depois de visitar a comunidade da Wenke (que ainda espero conhecer um dia).
Deixo seu link no meu jardim de palavras.
(http://poetrisse.blogspot.com)
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