sábado, 23 de agosto de 2008

Algemas


Rasguei as ruas
sem saber
se era de mim ou de você
que eu corria,
que eu fugia,
que eu morria
em cada esquina,
em cada curva,
em cada olhar
sem direção.

Morri de medo
de cada sonho,
de cada verso
que em mim disperso
como as verdades
de outros tempos
rugiam alto
em meus ouvidos
tal qual lembrança
de anos idos.

Sangrei sozinho
em cada noite
no calabouço
estreito e frio
do medo senil.
Preso em algemas
de lírios brancos,
de sonhos doces
e de promessas
que não existem
no amanhã.

Ah... me deixe ir...
Ah... com meus espinhos...
Ah... me deixe ir...
Ah... para outros ninhos...

domingo, 10 de agosto de 2008

As verdades de um Pai

Dia desses eu observava meu filho de quase três anos pelo vidro da porta da varanda. Entretido com o seu caminhão colorido, ele dizia que estava levando o “material para uma obra” pois iam construir uma casa grande, para que todos fossemos morar lá.
Imediatamente meu pensamento deu um salto para o começo dos anos 70 no Rio de Janeiro, quando ainda na companhia de meu pai, eu tentava decifrar as coisas do mundo dos adultos, e procurava me comportar bem diante do severidade de “Seu Alípio” .
Lembro que eu tinha três momentos favoritos com meu velho pai: Visitar a quadra da Portela, comer pastel no Mercadão Madureira, e mais tarde, ver no Maracanã, um tal de Zico que começava a mostrar toda a sua genialidade nas tardes de domingo.
Lembro também que ele sempre dizia que era preciso respeitar os mais velhos, que as drogas faziam mal para a saúde, e que era necessário preservar as amizades, e trabalhar para se dar o devido valor ao dinheiro.
Outras “verdades” daqueles tempos foram por água abaixo: Quem manda na casa é o homem, mulher não sabe dirigir, e principalmente a que diz que “homem não chora” (essa eu nunca aprendi mesmo!)
No início dos anos 80, aos 44 anos, seu Alípio foi para o andar de cima, vítima de uma das verdades que ele sabia, mas que da qual era refém: “O cigarro faz mal!”
As verdades de um Pai, certas ou não, são as ferramentas que eles oferecem aos seus filhos para que eles comecem a construção de seus valores individuais: Caráter, ideologia, conduta, respeito ao próximo, e outros valores, que ao longo do tempo serão lapidados com as ferramentas que os próprios filhos escolherem, cada um a sua maneira.
O pai do melhor aluno da classe, o pai do mais cruel assassino, o pai do mais bem sucedido empresário, o pai do mais carente dos sem teto, o pai do mais convicto ateu, o pai do mais ferrenho religioso, o pai do mais talentoso, o pai do mais perverso, o pai do mais desprezível político, e muitos outros pais, todos sem exceção, são portadores das dores e alegrias vindas das condutas de seus filhos, somadas aos sentimentos de fracasso ou de triunfo na arte de ser pai.
Nestes tempos em que as famílias são, inexplicavelmente colocadas em segundo plano por quem tem como prioridade o dinheiro, a fama e o poder político, penso muito em como fazer para que meu filho esteja protegido das mazelas do mundo, sem que eu tire dele a liberdade, o aprendizado natural e a alegria das descobertas.
Talvez a única ferramenta para enfrentar estes tempos seja a de ensiná-lo a “olhar nos olhos”, a ter um aperto de mão firme, a não perder a esperança, a não desistir dos sonhos, a compreender as diferenças, a entender que só o amor constrói, que só a união faz a força, que só a verdade liberta e que a família é o nosso porto seguro, sempre, haja o que houver.
Com a chegada do Dia dos Pais, deixo um grande abraço a todos que como eu, acordam e dormem pensando em como fazer deste mundo louco um lugar melhor para seus filhos.
Que sejamos felizes nessa empreitada!

(Artigo publicado no Jornal Tribuna do Paraná/Curitiba/PR em 02/08/05)