segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Conto: A casa da esquina

Quando o sol se debruçava sobre o parapeito das tardes de domingo, eu costumava sair e observar o movimento da rua onde eu morava. Fincada na esquina, havia uma casa grande. Do portão do meu velho sobrado era possível ver apenas o seu telhado. Quase nunca havia movimento ali. Vez por outra era que se ouvia uma canção da Edith Piaf vinda lá de dentro. A vizinhança comentava que os moradores eram um general aposentado e a sua governanta, companheira desde que a esposa dele apareceu morta no jardim. Dizem as más línguas que a professora teria sido envenenada. E que o militar teria deixado em testamento tudo o que tinha para  sua governanta.

Naquelas tardes, um carro branco estacionava em frente à casa misteriosa e uma bela jovem - com seus vinte e poucos anos - trazia várias sacolas de supermercado cheias. Ela não ficava ali mais do que duas horas e ao sair, trazia outras tantas sacolas. Imaginava-se ser uma filha ou sobrinha do militar. Talvez trouxesse compras. Ou levasse e trouxesse roupas. Ou tudo isso. Ou nada disso. Enfim, só mistério.

Em cada visita da jovem, um novo alvoroço nos portões da rua. Acho que todos esperavam por algum acontecimento que diferenciasse aquela rotina dominical. Povo fofoqueiro aquele.

Confesso que minha curiosidade também era aguçada a cada vez que eu ouvia “Non, je ne regrette rien”. Quem seria afinal o homem que amava uma das minhas cantoras favoritas? Sentiria ele muita falta de sua falecida esposa? Teria ele um romance com sua governanta? Seria eu um fofoqueiro também?

As interrogações de toda a minha rua seguiam em mais um daqueles domingos avermelhados pelo outono, quando escutei um antigo samba de Roberto Ribeiro que dizia: “Está faltando alguma coisa em mim. E é você amor tenho certeza sim.”

Percebi que a música vinha da rua. Curioso busquei sua fonte. Ao chegar ao portão notei que o reduto da diva francesa havia se rendido ao sambista carioca. Achei estranho, pois mesmo com outra trilha sonora, não havia movimento na casa. Nem mesmo a jovem do carro branco apareceu.

De repente, pouco antes do sol pousar lá atrás da serra, o portão da casa se abriu. O velho general se arrastava pelo chão com dificuldade. Todos correram para socorrê-lo. Ele balbuciava algo que denunciava sua falta de ar. Em segundos, desfaleceu.

Um médico que morava nas proximidades foi chamado. Constatou que o vizinho misterioso já habitaria outras orbes.

Corpo sem reação. Casa sem som.

A polícia chega. Ninguém sabia dizer nada. A governanta não está.

Outras semanas passam. Outros domingos amanhecem.

Agora na casa da esquina vivem a governanta, a jovem do carro branco e uma estranha história que nenhum dos fofoqueiros da minha rua suspeitaria.

Na sala, o aroma do incenso de alfazema se mistura com o cheiro da carne assada vindo da cozinha.

A música é jovem e romântica.

Sob a grama do jardim, restos de veneno.

Na suíte, indícios de romance e culpa.

 

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